MOEDA VENDIDA
Às vezes penso
Que sempre estive à venda
A troco das últimas esmolas
Esquecidas por um abade
Debaixo dum falso sudário rubro
Numa aldeia abandonada
Talvez valha os trocos
Caídos numa viela
Ao lado de um velho vagabundo
Que não chegou a ver o amanhã
Talvez uma moeda escurecida
Que rasgou teus bolsos
E se anichou numa bainha
Mal acabada
Do fundo da tua saia…
Talvez seja moeda de troca
De um tuaregue
De séculos passados
Infiltrada nas areias
Ainda escaldantes
Talvez valha
Um segundo perdido
Num relógio há muito parado
Ou uma gota de água
Congelada na ferrugem
Da torneira da crença…
Poderei valer
Um último gomo
Duma laranja apodrecida
Numa árvore
Que nem sei se já foi cortada…
Ou talvez ainda valha
A verdade enevoada
Da última mentira
Que contei a mim próprio
E acreditei…
Que me apaixonei
Por um reflexo
Numa noite de luar negro…
Sei que ontem
Caminhava sozinho num empedrado
E por entre sons e ecos
De passos meus
Pareceu-me ouvir um tilintar oco
Mas nem para trás olhei
Agora de bolsos vazios
Sei que era o som
Da minha última moeda vendida…
JC Patrão